Ana
de Sena
Nas relações que se consolidam no dia a dia, assim como
na história humana, é possível ver a rejeição como algo que se repete
frequentemente e que se expressa por sentimentos explícitos ou não; como por
exemplo, raiva ou indiferença. Para ilustrar, temos a história do assassinato
de Abel por seu irmão, Caim, o que demonstra a violência como conseqüência da
rejeição.
Isto sugere que ao experimentar a rejeição, seja na
condição de rejeitador ou rejeitado, a consciência pode desenvolver sentimento
de culpa e, com ele, alimentar sentimento de raiva. Consequentemente, a idéia
de vingança do rejeitado pode surgir se não houver disposição da consciência em
superar a própria raiva. Essa situação, onde a rejeição predomina e se
retroalimenta, parece ser a principal fonte do ódio e ressentimentos que a
humanidade cultiva ao longo da sua história.
Quantas vezes nossas relações se deixam levar pela
emoção, sem uma postura reflexiva sobre aquilo que possa ser o melhor para
todos? Quantas vezes tomamos atitudes somente para nos livrar do incômodo que a
situação traz? O quanto de rejeição existe na nossa vida, ações, relações e
omissões vivenciadas no cotidiano? Por que parece tão difícil lidar com o que é
diferente daquilo que se pensa ser certo?
Tudo indica que há uma reação natural e inconsciente da
consciência rejeitada, que para suportar a dor da rejeição procura, repetidas
vezes, camuflar a raiva através das mais diversificadas formas de vingança.
Talvez este seja o motivo que mais contribui para o ser humano não suportar a
rejeição no contexto social.
Assim, a energia da consciência vingativa pode se tornar
patológica, na medida em que seus pensamentos, sentimentos e energias formam um
círculo vicioso com o trinômio: rejeição-vingança-culpa. Desse modo, a
intensidade da permanência de uma pessoa nesse círculo indica o quanto ela se
mantém refém de si mesma, impedida de dinamizar a sua própria evolução.
Nenhuma prática por si só conseguiu, até o momento,
consolidar a convivialidade sadia entre os diferentes. Ao contrário, são as
posturas excludentes que parece inviabilizar a condição de paz e de equilíbrio
multidimensional. Talvez tudo isso se dê pelo fato de nossas atitudes ainda
serem encaminhadas mais pela emoção egocêntrica, voltada apenas para os
interesses pessoais, do que pela razão refletida, com foco no que for melhor
para todos.
Daí a importância de uma educação voltada para a inclusão
ainda na fase infantil, pois a experiência mostra que muitas vezes, quando uma
consciência se encontra diante da possibilidade de não ser amada, reage de modo
irritado e agressivo, ainda na fase infantil. Se esse comportamento não for
superado a criança pode se tornar um adulto vingativo, impedindo seu processo
de pacificação íntima e de realização cosmoética.
A Cosmoética orienta a consciência para pensar, sentir e
agir considerando sempre o melhor para si e para os outros. Com o esforço
evolutivo de autossuperação e a busca da autopesquisa (autobservação cuidadosa
sobre seus pensamentos, sentimentos e atitudes), a consciência pode alcançar o
autoconhecimento e despertar para a vivência cosmoética do auto e hetero
acolhimento.
Eis, leitor, o grande desafio de quem vivencia a
rejeição: buscar a autocura a partir da autopesquisa. O autoconhecimento pode
ampliar e qualificar a capacidade de conviver com as diferenças e desenvolver
um potencial acolhedor para consigo e para com os outros. Essa escolha lúcida
pode ser feita por cada pessoa que desejar evoluir diante da possibilidade de
construção de uma cultura da paz.
Ana de Sena é assistente
social, também é pesquisadora e voluntária da Intercampi.
Fonte: Site da Intercampi,
postado em 16/setembro de 2009.
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